Epílogo de aventura - A água do poço (Parte Final)

Dormiram e no dia seguinte encontraram, enfim, a Sala de Armas. O salão retangular tinha sua entrada na parede de menor dimensão. As paredes laterais, todas de pedra, enfeitadas com tapeçaria e panos da cor branca, azul e dourada. Grandes janelas altas deixavam a iluminação entrar. No teto, dependuravam-se três grandes lustres com centenas de velas e cristais, que deveriam iluminar muito bem o ambiente à noite com o auxilio das seis tochas que se prendem às paredes de maneira uniforme. Mas durante o dia, a luz do sol provoca um agradável efeito sobre a sala ao passar pelos cristais. Nas maiores paredes, opostas, são exibidas doze armaduras, com suas armas e escudos, dividas igualmente em duas fileiras de seis armários. Oposta à porta de entrada, uma armadura branca, com um camisão de pano azul, trabalhado e bordado, e presilhas douradas, que provavelmente seria do próprio rei Melior.

Uma a uma, as armaduras e armas foram analisadas por Zandro, visivelmente empolgado, e Linus, mais pensativo. Ambos queriam as melhores e mais poderosas armas à disposição de suas vontades. Seriam enfim respeitados. Não em Ámagon, devido às circunstâncias, mas em qualquer outro lugar. E assim foi.

As doze armaduras pertenciam aos doze cavaleiros de Ámagon. Suas características e formas dependiam de sua idealização. Contam as lendas, que os doze cavaleiros representavam doze forças, chamadas de espíritos, protetores do reino: o vento, a chuva, o relâmpago, o trovão, as terras, o bosque, o fogo, a vontade, a força, a luz, o rio e a fortaleza. Cada uma possuía uma capacidade e seu conjunto de armas condizia com a temática da peça de proteção.

A armadura do vento era feita de metal leve, e possuía muitas aberturas. Era também confortável, forrada com um manto branco e presa com uma presilha prata em forma circular que envolvia um símbolo parecido com a letra “T”. Pendurada ao lado, a dupla de manoplas de metal e couro branco. Do outro, um bumerangue de madeira leve e pintado de cor marfim com duas linhas vermelhas nas pontas. A peça da chuva, feita em madeira e couro, de cor marrom claro, quase amarelado, de cedro, com manoplas imponentes, ombreiras destacadas e volumosas, toda cravejada com botões em forma de riscos finos por sobre o couro que forrava parte da madeira peitoral. Ao seu lado direito, um amuleto circular com uma inscrição, a letra “K”. À esquerda, um par de luvas de couro cinza. A armadura do relâmpago era uma armadura de peitoral metálico, ombreiras e manoplas de bronze, saiote de cota metálica e botas de firme metal e tiras de couro. No tórax esculpia-se em forma masculina perfeita e musculosa, e por sobre o peito, riscos que se assemelhavam a relâmpagos que chegavam á altura do estômago. À sua direita, uma espada grande, uma montante de lâmina brilhante e larga, mais alta que Zandro. À esquerda, uma lança curta, ou melhor, uma azagaia de arremesso com ponta metálica e fio extenso, como um arpão.

A armadura de trovão era feita de couro e panos, sua armação consistia de couro dobrado em dois e amarrados com fios de prata e cobre. Seu desenho se assemelhava mais a uma roupa ou vestimenta de festas do que propriamente a uma proteção de batalha. Sua cor era acinzentada e seus botões e presilhas prateados. Em sua direita um martelo, simples, como o de um carpinteiro e à sua esquerda, um pequeno escudo metálico, escuro como o ferro bruto. A armadura que simbolizava o espírito das terras de Ámagon era uma armadura de cota metálica. Os anéis de aço se entrelaçavam e eram cobertos por um camisão de couro e manoplas nos braços. Saiote e calças de cota nas pernas. Um belo elmo fechado e uma capa, vermelha, intensa. Ao lado, na esquerda, uma clava, detalhada, desenhada e esculpida, com figuras de plantações e árvores. À direita, uma flauta de madeira e cortiça.

A armadura do bosque era uma brunea, com metais amarelados como o cobre, porém, mais claros, cobertos com uma capa verde de veludo caro e bem trabalhado. O elmo fechava-se em uma máscara com formato de rosto humano sem expressões. Ao lado, à direita, uma sacola possivelmente cheia de algo pequeno e leve, à esquerda, uma maça estrelada com pontas afiadas. A armadura do fogo, uma das mais belas, consistia numa armadura completa. Peitoral, braceletes e ombreiras, coxa e caneleiras de placas metálicas, sendo que todos os seus vãos eram cobertos com cotas metálicas de anéis circulares. As botas, fechadas e brilhantes, assim como o elmo. Ao contrário das outras armaduras, possuía apenas um armamento pendurado à lateral esquerda, um pequeno machado de madeira curva e lâmina estreita. À direita, uma pequena caixa de couro coberta internamente de veludo vermelho e um anel dourado com um belo rubi encravado.

A vontade não era simbolizada por uma armadura, e sim por um manto azul, bordado nas laterais com panos bufantes brancos. Possuía também um capuz, da mesma cor. À esquerda, um cetro de ouro com rubis e esmeraldas e à direita, uma coroa dourada com entalhes em prata. A armadura da força de Ámagon era feita de peles de animais. Lobos, felinos e roedores, como um grande e belo casaco de peles bem preso ao corpo e braços. Camisão e calças, botas e luvas, toca e gorro. À direita, um mangual, uma haste de madeira que prendia por uma corrente fina uma esfera metálica pesada. À esquerda, via-se uma besta de madeira, com ornamentos detalhados e ondulados feitos em ferro e cobre, ambos de cor escura, mas sem a manivela de carregamento para as flechas e sua respectiva aljava, com vinte virotes com pontas afiadas da própria madeira.

A armadura da luz era composta por um peitoral de aço metálico com um sol esculpido em alto relevo. Seu elmo era claro e de cor amarelada, em tom leve. À sua direita um escudo grande, de metal, com o mesmo sinal do sol e à esquerda, uma lanterna fechada. A proteção que simbolizava o rio não passava de uma camisa de couro costurada com fios de ouro e mangas compridas. Dentre todas, a mais simples em forma. Suas armas, à direita um arpão, à esquerda um par de luvas de tecido branco. A armadura da fortaleza era feita com cobre, aço, couro e ossos. No tórax, ombreiras, joelhos e canelas, metal. Braços, coxas, pescoço e cabeça, couro, e tudo era ligado com presilhas de ossos claros ou brancos. À direita uma poderosa marreta. À esquerda, um par de manoplas de couro e ferro.

Linus e Zandro nem repararam na armadura do rei. Ficaram horas analisando cada uma das doze e decidiram que não seria escolhida uma ou outra. Levariam as partes que lhes interessassem, principalmente porque diziam que os cavaleiros que possuíam tais armaduras utilizavam sua mágica. O raciocínio dos rapazes era simples: já que eram mágicas, todas, então levaremos um pedaço de cada e um pouco de cada magia de cada uma. E assim foi feito. Linus escolheu o tacape ornado do espírito da terra, juntamente com sua armadura, a capa enfeitada da vontade, amarrada como um tapete e presa às costas, a azagaia do relâmpago, o martelo e o escudo do trovão e as luvas do rio. Zandro ficou com a armadura e o escudo da luz, o bumerangue do vento, com a besta da força, com o anel e o machado do fogo.

Os novos donos de Ámagon se vestiram, se alimentaram e procuraram a saída por horas. Queriam testar seus novos armamentos. À base da fortaleza eles se postaram às armas, mas restava saber: como funcionava tudo aquilo? Os dois pensaram e começaram a associar seus itens a seus respectivos nomes ou o que simbolizavam. Era um bom começo, apesar de não conseguirem nem imaginar como funcionaria todo aquele equipamento. Primeiro, foi Linus, afinal ele agora era rei.

Seu pensamento foi esse: o tacape da terra deve ter alguma relação com o solo ou sobre o que está nele, assim como sua armadura, deve ser então um conjunto; a capa da vontade deve ser uma proteção contra encantamentos ou algo que force a fazer o que não quero ou o que não faria normalmente; a azagaia do relâmpago deve ser lançada com força e talvez se tornar um raio; o martelo e o escudo do trovão devem ser batidos um no outro e assim produzirão o estrondoso trovão avassalador; e o anel do fogo deverá controlar esse elemento.

Zandro também, com ajuda de Linus, estabeleceu seu raciocínio: a armadura e o escudo da luz trariam luz quando noite; o bumerangue do vento deve ir mais longe ou mais rápido que os similares mais comuns; a besta da força deve acertar um alvo e ter a força de um coice de um alazão; as luvas do rio devem permitir andar sobre ele, ou respirar sob a água; e o machado do fogo deve queimar os oponentes.

Linus vestido com a armadura da terra empunhou o tacape e pôs-se a bater no solo, com força, virado para a fortaleza. Seus golpes consecutivos fizeram tremer o solo e um rápido terremoto se fez abrindo uma fenda larga que se propagou até o grande palácio, que estava a poucos metros dele. A abertura tragou grande parte da construção, demolindo, destruindo a fortificação e algumas construções laterais.

Os dois ficaram olhando a queda do prédio, boquiabertos, avassalados pelo poder dessas armas épicas, com poderes quase divinos. Zandro se empolgou. Balançava o escudo e gritava “O que isso faz? O que isso faz?”, olhando para o escudo, esperando que ele fizesse algo, até que ele o posicionou num ângulo que a luz do sol foi refletida sobre a superfície polida, formando um feixe concentrado de luz que se propagou até o bosque, que tangenciava parte do palácio, a mais de cem metros de distância e abriu uma vala de fogo e destruição, incinerando as árvores em uma linha reta que avançou mais de duzentos metros para dentro do bosque. Zandro não quis testar mais nada. Linus também estava satisfeito somente com aquilo. Passaram então a brincar. Linus arremessava as pedras demolidas do palácio ao alto com o tacape e Zandro as explodia no ar com o feixe de luz do escudo.

Pela noite, Linus testou a azagaia, lançando-a ao ar, mas sem resultados.

- Não funciona! Não funciona! – irritado, blasfema Linus – Como fazer isso funcionar?

Novamente ele corre para ter impulso de lançamento, preparando-se, velocidade, ângulo do braço e estiramento da lança. Quando ia soltá-la, Zandro interrompe:

- Ah, pare com isso... Já chega.

Linus interrompe o lançamento, e nesse momento um relâmpago poderoso clareia todo o lugar e segue em linha reta até o maior ponto metálico encontrado, um poste de iluminação às margens do terreno do palácio. Atingindo-o com violência, o raio se propagou em multi-direções, atingindo vários objetos próximos, incendiando o betume do poste e tudo de madeira e couro que fora atingido. O poste, por sua vez, entortou-se e contorceu-se.

Os jovens fizeram silêncio. E Linus se virou a Zandro dizendo: - Então, não vai testar mais nada?

Zandro pegou o bumerangue e o lançou e num instante ele retornou. Linus insistiu para jogá-lo como a azagaia, mas nada ocorreu. Então, deveria lançá-lo para que fosse mais longe, e mais longe, a fim de permanecer o maior tempo no ar. Foram muitos lançamentos. Consecutivos, e a cada um, a arma permanecia mais e mais tempo no ar. Depois Zandro conseguiu manter a arma parada no ar e posteriormente fazer com que ela fosse em diferentes direções fazendo vários ataques a diferentes pontos, opostos até, antes que retornasse às suas mãos. E sempre retornava.

- Com essas armas podemos ser reis em qualquer lugar. – disse Linus.

- E seremos irmão... E seremos. – conclui Zandro.

E os dois partiram naquela mesma noite da cidadela de Ámagon. Sem destino, sem expectativas, mas com coragem, beirando insensatez. Bem na saída, Zandro pula da carroça, Linus o grita, mas ele sobe pelas escadas da guarita até alcançar o guarda que lá morava em sua pele petrificada e dele arranca o gládio.

- Não sairia daqui sem isso.

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