Epílogo de aventura - A água do poço (Parte 2)


Linus deixa ao lado a água, mais cuidadosamente, mas também corre em direção à árvore. Ao se aproximar, observa que Zandro não mais corre, e move-se cuidadosamente em direção do esquilo, se dirigindo por moitas e abaixando o corpo. Linus, que nunca foi muito bom em caçar segue por outro caminho, mas imita Zandro em quase todos seus movimentos.

Qualquer um se perguntaria por quê Linus desafiaria Zandro para a caçada sabendo que seu primo-irmão era melhor, mas todos que conhecem a família sabem que Linus sempre foi mais apegado aos parentes e isso certamente estaria acontecendo para fazer a vontade de Zandro.

Linus sempre foi assim, desde pequeno. Enquanto mais sensato e voltado às necessidades da família, Zandro era mais forte, ágil, porém mais sonhador. Apesar de amar a família, sempre colocou suas manias e vontades à frente das necessidades, desde que isso não prejudicasse ninguém. Esses dois eram figuras no mínimo curiosas. Sempre apostando entre si e com outros consideram a vida um grande jogo, “... vencendo hoje e perdendo amanhã, quem sabe!?”, como diz Zandro. Era realmente engraçado vê-los apostando. Sendo lançado um desafio, tudo mais era secundário. Qualquer coisa mesmo, desde tarefas ou mesmo suas integridades físicas. Os dois, sem exceção, mantinham-se calmos e totalmente seguros de si mesmos, não importava a situação. Outra característica importante a ressaltar sobre os dois era a comparação de suas atitudes quanto ao dinheiro. Linus gostava muito de ganhos e sempre tentava tirar vantagens das coisas e dos negócios para conseguir mais peças de ouro ou prata. Jogava por dinheiro, trabalhava por dinheiro, estudava e sempre armava situações para conseguir mais e mais moedas. Zandro, por outro lado, apostava por apostar, trabalhava por trabalhar e aproveitava as coisas do dia-a-dia simplesmente por satisfação. Sempre apostava, mas nunca visando o lucro e sim a disputa. Aliás, era um bom perdedor ao contrário de Linus. Porém, tia Diana dizia algo diferente dos dois. Ela sempre afirmava que Linus não era interesseiro e Zandro não era um sonhador, simplesmente “um acha que a vida é um cavalo e o outro, um rio”.

Apesar destas diferenças, andavam sempre juntos e nunca discordavam um do outro. Sempre um cedia às vontades do companheiro, abrindo mão de seus interesses pelo irmão. Talvez isso se devesse à sua história mal contada de nascimento. Tia Diana nunca explicou sobre seus pais ou a natalidade, mas sempre dizia que eram filhos de dois casais de gêmeos idênticos, dois irmãos com duas irmãs. Sendo assim, são primos, mas eles sempre se afirmam como primos-irmãos. Toda a vila pensa que seria devido à criação deles, mas como o próprio Linus afirma: “como saber que nossos pais se confundiram e não temos o mesmo pai?”. Eles gostam muito de brincar com isso, rindo de todos que não entendem esse argumento.

Zandro se aproximava mais e mais do esquilo e se colocava numa situação bastante vantajosa em relação a Linus, que se movia para trás da árvore, esperando o animalzinho se assustar e correr para o outro lado. Assim, os dois se colocaram em posição de ataque. Sabidamente, Linus esperava a ação afobada de Zandro, contando com sua “vontade” de vencer a aposta. Segundos de silêncio e Zandro se levanta, com uma pedra grande na mão. O animal, assustado, corre na outra direção, sem subir, mas sim, dando a volta na árvore. Do outro lado, Linus já esperava em sua armadilha, mas não contava com a agilidade do pequeno roedor. Ele se lançou sobre a presa que se esquiva, deixando Linus cair sobre a terra enquanto subia na árvore, largando seu alimento e dando a volta no tronco até que é atingido certeiramente pelo sagaz caçador.

- É! Mais uma vez; eu venço. – afirma Zandro enquanto se abaixa para pegar o animal enquanto ainda se debatia ensangüentado.

- Amanhã você busca a água sozinho. – continua afirmando.

Linus se levanta e cospe a terra fofa e negra que sujou sua boca. Não adiantaria afirmar nada, restava pegar os baldes e voltar, e foi assim que fizeram. Caminharam o resto da trilha até o quintal da pequena casa que ficava nas extremidades da vila, às beiras da Cidadela de Ámagon, sede do reino.

Os dois estavam atrasados, então foram entrando e já preparando tudo rapidamente. Colocaram os baldes na posição certa para que a tia Diana os utilizasse. Jogaram sal no esquilo e o dependuraram ao sol, perto dos utensílios de cozinha, limparam a casa rapidamente, organizaram os queijos e tudo mais que seria levado à feira vespertina, até o pequeno leitão. Arrumaram a carroça. Selaram o burro chamado Tomás, organizaram tudo e estavam quase prontos para partir, faltavam as vestimentas. Tia Diana sempre dizia que uma boa apresentação vinha acompanhada de boas trocas e vendas.

- Zandro, onde está tia Diana? – perguntou Linus.

- Não sei, Linus. Acho que demoramos demais e ela já deve ter ido à casa da Dona Carmela para fazer mais queijo. – retrucou Zandro.

- Então vamos fazer o seguinte, vamos à feira e vendemos o que pudermos. Se a esperarmos e ela demorar, nos atrasaremos ainda mais e a bronca será maior. – conclui Linus.

Zandro concorda e rapidamente os dois partem para a cidadela.

O caminho está tranqüilo e não há movimento e isso é estranho, pois a estrada sempre teve um fluxo considerável, ainda mais ao início dessa semana, nesse mês, que seria a chegada dos comerciantes nômades. Já seria possível, inclusive, observar a caravana, mesmo se ela estivesse chegado.

Os nômades são de uma cultura tão diferente quanto sua forma, costumes e língua. Era realmente difícil negociar com eles, mas sempre vantajoso. Ótimos negociantes, tinham bons produtos, utensílios e, principalmente, eram fabulosos compradores. Parecia que suas andanças não possibilitavam a produção de nada, ou quase nada para seu consumo. Leite, peles, cereais, tubérculos e raízes. Em compensação, traziam ferramentas, lâminas, equipamentos, cordas, panelas e tecidos. Além, é claro, de temperos e outros materiais exóticos. Seus maiores compradores, sem dúvidas, eram os feiticeiros, que conseguiam achar tudo aquilo de estranho que necessitavam para seus truques e mágicas.

Zandro há muito queria comprar um gládio, mas nunca tinha juntado moedas suficientes, quando conseguia sua tia o impedia. Linus não sabia a necessidade daquilo e tia Diana insistira mais de uma vez para que ele deixasse essa idéia de lado. Era perigoso, sem propósito e, além disso, desnecessário. Mas ele insistia, dizia que era elegante, impunha respeito e que, apesar da vida do vilarejo, o trabalho com os porcos, leite, queijo e vendas, ele queria mesmo era se mudar para a cidadela. Perambular pelas ruas de Ámagon e ser o centro das atenções. E esse também era o interesse secreto de Linus, se mudar para a cidade, ter a atenção de todos e ser respeitado, mas logicamente por outros meios. As discussões sempre acabavam sem acordo das partes, e surgiam tempos depois: Zandro querendo o gládio, Linus querendo se mudar e a tia Diana querendo os dois quietos.

Mas a imagem da caravana não aparecia e após algum tempo no caminho não avistaram movimento nenhum. A única visão que tiveram foi um cão morto na estrada. Por quê e como? Não sabiam e nem pararam para averiguar. Não havia nenhuma barraca avermelhada ou azulada dos nômades ao longe, somente os muros da cidadela sem movimentação em seu entorno.

- Linus! Isto está muito estranho. Já deveríamos estar vendo a correria e gritaria da feira. Sem falar no acampamento nômade em torno do muro. O que será que está acontecendo? – indaga Zandro.

Linus não tem idéia do que estaria acontecendo e nem responde às especulações de seu primo-irmão. Apenas acena com os ombros deixando no ar o mistério.

Os dois se aproximavam mais e mais. Um pouco distante, a alguns quilômetros, avistaram o que poderia ser um pequeno acampamento, com barracas coloridas e com cores fortes.

- Olhe Zandro, o acampamento dos nômades. Está tudo normal. – diz Linus um pouco aliviado.

- Desta vez vieram em pouco número. O que pode ter acontecido? – indaga Zandro.

- Não sei, sabemos que podemos vender nossos produtos. Seria muito feio além de nos atrasar, não conseguirmos vender nada. Nossa tia poderia nos matar! Sabe como ela é brava quando quer... – concluiu Linus.

Os dois até discutiram sobre passar perto do acampamento para olhar e talvez até vender tudo por lá, mas tudo estava tão calmo que concluíram que seria mais fácil comercializar tudo por detrás dos muros da cidadela.

O portão estava à frente. Quase três metros de altura e quase quatro de largura. O muro, uns dois metros mais alto, circundava quase toda a cidadela e, conseqüentemente, a fortaleza e o palácio, sede do reino de Ámagon, a maior dinastia já vista, do mais belo e forte reino já estabelecido em Leigor. No alto do portão, a guarita estava sem sua guarnição. Zandro e Linus gritaram e chamaram e não tiveram resposta. Acharam estranho e decidiram esperar um pouco, mas a demora foi longa. Caminharam lateralmente em busca de um outro portão, apesar de saber que isso poderia demorar bastante, até uma hora ou mais, mas seria certeza de uma outra entrada. Aliás, poderia passar pela caravana e saber o que estaria acontecendo. O pequeno número de barracas no acampamento nômade poderia ser explicado: talvez a caravana tenha se locomovido em parte para outro portão. Mas nunca, nesses dezoito anos em que os dois vivem ali o portão foi fechado. Nem em ameaça de guerras ou invasões.

Eles se aproximaram vagarosamente do acampamento e nenhum movimento foi notado. Tudo estava vazio e quieto, assim como a cidadela. Do acampamento era possível avistar as torres da fortaleza e a torre do palácio, onde diziam viver Geburah, feiticeiro e conselheiro do Rei de Ámagon.

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